DESIGUALDADE: O escandaloso racismo institucional nas eleições de 2022
*Carmela Zigoni
As desigualdades na distribuição dos recursos de campanha ainda são gritantes, revelando o persistente racismo institucional partidário. Para as mulheres brancas foi destinado 35,6% do valor recebido por homens da mesma cor. As mulheres pardas receberam 52% a menos do que as mulheres brancas e os homens pardos 61,5% a menos que os homens brancos
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que, nas eleições de 2022, os partidos seriam obrigados a repassar, até o dia 13 de setembro, 100% do recurso da cota de gênero e raça/cor às candidaturas de mulheres e pessoas negras, o que corresponde a 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
A determinação do TSE ocorreu porque nas eleições de 2020, o atraso no repasse prejudicou as candidaturas desses grupos sociais. A regra determina que a prestação de contas parcial deve ser feita ao Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE) em até 72 horas a partir do recebimento do recurso[1].
Considerando o prazo, o cenário ficou da seguinte forma: foi repassado um montante de R$ 4,7 bilhões a todas as candidaturas, sendo R$ 4 bilhões do FEFC, R$ 236,9 milhões do Fundo Partidário e R$ 448,3 milhões de doações. Dos R$ 4 bilhões do FEFC, 30,6% foi repassado a mulheres e 69,4% para homens, e em relação ao recorte racial, o repasse foi de 36% para negros/as (pretos/as + pardos/as) e 62,7% para brancos/as. A determinação do TSE foi, portanto, cumprida.
No entanto, as desigualdades na distribuição dos recursos de campanha ainda são gritantes, revelando o persistente racismo institucional partidário, conforme pudemos checar na Plataforma 72Horas. Avaliando todas as fontes de recursos, as mulheres brancas, pardas e amarelas ficam muito atrás dos homens dentro do seu grupo racial. Às mulheres brancas foi destinado 35,6% do valor recebido por homens da mesma cor, ou seja, enquanto eles foram beneficiados com R$ 2,2 bilhões, elas ficaram com R$ 800,6 milhões.
As mulheres pardas receberam R$ 384,3 milhões (52% a menos do que as mulheres brancas) e os homens pardos R$ 866,5 milhões (61,5% a menos que os homens brancos).
Nas candidaturas indígenas, onde há proporção mais equânime de número de candidaturas (94 homens e 77 mulheres), a distribuição do recurso foi mais equitativa: dos R$ 28,7 milhões distribuídos para 133 candidaturas, as mulheres ficaram com R$ 12,9 milhões e os homens com R$ 16,5 milhões.
Atenção ao fato de que não foi destinado nenhum recurso para 38 candidaturas indígenas! Faltando duas semanas para o 1º turno das eleições, tal ocorrência pode indicar uma escolha dos partidos em não viabilizar indígenas, de fato, no pleito.
No grupo de autodeclarados pretos e pretas, que na distribuição de candidaturas ficou em 55,7% e 44,3% respectivamente, a distribuição do recurso também se deu, até o momento, com maior equidade: às mulheres pretas foram destinados R$ 190,7 milhões (1.361 candidatas) e aos homens pretos R$ 202,7 milhões (1.529 candidatos). Considerando o grupo de candidaturas pretas, 616 homens e 316 mulheres não receberam recurso algum.
Tabela 1. Distribuição dos recursos públicos para financiamento de campanhas, por gênero e raça/cor, para todos os cargos, considerando todas as fontes de recursos.
Candidaturas | Nº Candidaturas Deferidas | % Candidaturas | Recursos Recebidos | Nº Candidaturas
Acesso Recursos |
Homens Brancos | 9.096 | 33,20% | 2.249.580.200 | 7.339 |
Homens Pardos | 6.650 | 24,27% | 866.503.561 | 4.794 |
Mulheres Brancas | 4.227 | 15,43% | 800.688.043 | 3.423 |
Mulheres Pardas | 3.169 | 11,57% | 384.324.302 | 2.446 |
Homens Pretos | 2.145 | 7,83% | 202.742.744 | 1.529 |
Mulheres Pretas | 1.704 | 6,22% | 190.743.199 | 1.361 |
Homens indígenas | 94 | 0,34% | 16.523.134 | 71 |
Mulheres indígenas | 77 | 0,28% | 12.209.174 | 62 |
Homens Amarelos | 66 | 0,24% | 11.779.116 | 49 |
Mulheres Amarelas | 44 | 0,16% | 4.841.820 | 38 |
*129 candidatos não declararam cor ou raça no registro.
** Recursos recebidos considerando a somatória do FFEC, Fundo Partidário e Doações.
Elaboração: Inesc e Common Data. Dados de candidaturas não inaptas em 14/09/2022. Dados do Recurso: 72horas.org em 15/09/2022.
Homens brancos receberam 10 vezes mais do que homens pretos
Comparando os homens brancos com os homens pretos, a diferença é enorme. Os primeiros acessaram mais de R$ 2,2 bilhões e os segundos apenas 9% disso, ou R$ 202,7 milhões. Já entre as mulheres, as brancas somaram R$ 880,6 milhões, enquanto as pretas, apenas, R$ 190,7 milhões. Nas candidaturas, para cada preto, existem 4,2 candidatos brancos. Mas, para cada R$ 1,00 do candidato preto, o branco recebe R$ 10,00.
Entre os presidenciáveis, que totalizam 11 candidaturas, os únicos dois que se declaram pretos – Leonardo Péricles (UP) e Vera Lúcia Salgado (PSTU) –, receberam, apenas, R$ 1,2 milhão e R$ 825 mil, respectivamente. Os valores representam 1% do recurso alocado em campanhas presidenciais, que somam R$ 207,6 milhões. Lula, Ciro e Tebet foram beneficiados com R$ 89,8 milhões, R$ 26 milhões e R$ 36,7 milhões, respectivamente. Jair Bolsonaro, publicamente avesso ao fundo público – ainda que esteja enfrentando denúncias de uso de recursos públicos de forma ilegal para sua campanha–, recebeu R$ 25,7 milhões, sendo R$ 846 mil reais do FFEC, R$ 13 milhões do Fundo Partidário e R$ 11 milhões de doações. Os brancos representam 63,6% das candidaturas ao cargo.
Espectro político
Em consideração ao espectro político, o centro (MDB, Solidariedade, PSDB, Avante e PROS) repassou R$ 832,7 milhões para 3.711 candidaturas, sendo R$ 282,6 milhões para 1.304 mulheres e R$ 550 milhões para 2.407 homens, sendo a coligação mais equânime com 35% de candidatas e 34% dos recursos a elas distribuídos. O grupo de partidos formado pela esquerda se saiu bem na cota de candidatas, com 37% de mulheres. Todavia, distribuiu somente 28% do recurso para elas. Dos R$ 1,2 bilhão para 5.898 candidaturas, foram R$ 349,9 milhões para 2.171 mulheres e R$ 877,3 milhões para 3.727 homens (PSOL, PCdoB, PSTU, PT, PCO, PCB, PDT, PSB, UP, PMN, Cidadania, Rede e PV).
A direita também apresenta uma injusta distribuição, uma vez que as mulheres receberam somente 27% dos recursos quando são um terço das candidatas. Entre os partidos de direita, dos R$ 1,9 bilhão repassados a 9.197 candidaturas, R$ 531,7 milhões foram repassados a 3.003 mulheres candidatas e R$ 1,4 bilhão para 6.094 homens (PL, União, DEM, PSL, DC, PMB, PRTB, Novo, PP, AGIR, PTB, Podemos, PSC e Patriotas).
Candidaturas a governo do estado também distribuíram mal
Um dos piores dados do processo das Eleições de 2022 foi o de que oito estados, dos 27 da Federação, não lançaram candidatas mulheres para o cargo de governadora. São eles: Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Rondônia e Santa Catarina. De um total de 206 candidaturas a governador, 83,5% são de homens e 16,3% de mulheres.
Os candidatos homens, que somam 170 pessoas, receberam R$ 484,8 milhões, e as 36 candidatas a governadora receberam, juntas, R$ 51,3 milhões. Para as pessoas brancas que pleiteiam esse cargo, o repasse foi de R$ 385,7 milhões, enquanto que para os pardos foi de R$ 130,3 milhões. Já para os pretos, foi de apenas R$ 15,3 milhões. Os dois candidatos que se declararam indígenas receberam R$ 4,6 milhões. Não há candidaturas de autodeclarados amarelos para o cargo de governador.
Carmela Zigoni é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Fonte:Blog Povos Indígenas